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Quem Descobriu o Brasil? Cabral, Pinzón e a Verdade que os Livros Não Contam

  • campusaraujo
  • há 7 dias
  • 3 min de leitura

Atualizado: há 5 dias


Pedro Alvares Cabral desembarca no Brasil e vê, desapontado que Vicente Pinzól esteve lá quatro meses antes, em janeiro de 1.500.
Pedro Alvares Cabral desembarca no Brasil e vê, desapontado que Vicente Pinzól esteve lá quatro meses antes, em janeiro de 1.500.

Cabral ou Pinzón?


Não sei quantas vezes, ao longo desta minha vida já meio gasta como tesoura da escola pública, ouvi alguém perguntar quem descobriu o Brasil. A palavra ainda circula com a mesma inocência de um livro didático dos anos 1950, como se o país tivesse escondido sob uma toalha de piquenique e alguém tivesse erguido um canto da toalha pra dizer: “Ah, olha só, tem gente morando aqui!” É bonito, quase infantil. Mas infantilismo histórico é um dos esportes preferidos deste país, talvez o único em que somos realmente competitivos.


A versão oficial, aquela que adorna estátuas, praças e provões do MEC, diz Pedro Álvares Cabral. O bom Cabral, comandante de armada vistosa, autorizado pelo rei, burocraticamente preparado para fazer exatamente o que fez: declarar posse de uma terra que já não precisava ser descoberta por ninguém.


Era tão descoberta que havia milhões de pessoas vivendo nela, cultivando, guerreando, amando, errando e contando bons causos muito antes de Portugal saber andar em linha reta no Atlântico. Mas aí a gente entra naquele território sensível onde a história vira uma espécie de teatro: indígenas  “achados”, europeus “descobridores”, e o palco montado pra glória lusitana.


Mas deixemos Cabral de lado por um instante, o rapaz não tem culpa da mitomania europeia. Entremos em cena com Vicente Yañez Pinzón, espanhol, navegador competente, figura meio apagada nos salões da fama porque a vida, como sabemos, é pródiga em injustiças. Pinzón aportou em território brasileiro em 26 de janeiro de 1500. Janeiro! Três meses antes do Cabral sequer avistar o Monte Pascoal. Chegou, viu, conversou, pescou uns peixes (ou algo equivalente), mas não tomou posse.


O Tratado de Tordesilhas dizia: “Daqui para lá é espanhol, daqui para cá é português”. E Pinzón estava do lado errado da linha imaginária desenhada por europeus que nunca tinham pisado fora da Europa. A geopolítica é isso mesmo: um mapa, uma caneta e um delírio.


A Espanha, que não era exatamente uma potência na diplomacia da humildade, poderia ter dito: “Fomos nós, registrem aí!”. Mas achou melhor evitar briga com Portugal. E Pinzón, coitado, virou nota de rodapé. Descobriu, mas não valeu. É como marcar um gol anulado por impedimento que nem existiu — ah, como diria meu falecido técnico da várzea, a vida é cheia de bandeirinhas com vontade de aparecer.


Nem Cabral, nem Pinzón


Agora, se vamos entrar no espírito da honestidade histórica, o verdadeiro descobridor do Brasil, o real, o autêntico, o incontornável, não foi nenhum dos dois. O território já era habitado há pelo menos 12 mil anos por povos indígenas que não precisavam de caravelas, cruzes ou cartas régias para dizer onde estavam.


A ideia de “descoberta” só funciona quando se aceita a fábula de que a existência indígena é uma espécie de prelúdio, uma introdução sem direito a título, algo que só ganha nome quando um europeu resolve carimbar.


Eu, cá do meu canto em Pinheiros, conversando mentalmente com Botox enquanto ele fareja o infinito do tapete, penso nessas contradições. O país foi “descoberto” diversas vezes, por diversos olhares, mas preferimos fixar a versão burocrática. É uma escolha. E escolhas históricas têm a mania de refletir nossas vaidades.


Talvez sejamos um povo que gosta de datas claras porque a vida, no resto do tempo, é caótica demais. Ou talvez tenhamos herdado dos portugueses esse fascínio por caravelas, como se nada antes delas tivesse sido verdade.


No fundo, essa pergunta, Cabral ou Pinzón? é menos sobre o passado e mais sobre a compulsão brasileira por achar um pai fundador que nos desculpe dos erros. Pinzón nos daria um pai estrangeiro demais. Cabral, ao menos, é o pai burocrático, o funcionário exemplar de um reino pequeno com ambições grandes. Dá um certo conforto institucional.


Mas, para mim, quem descobriu o Brasil foram mesmo os que já estavam aqui. O resto é papelada. E papelada, meu amigo, eu já assinei demais na vida.



 
 
 

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