Alice no País das Maravilhas: crescer, encolher e questionar
- campusaraujo
- 22 de ago.
- 2 min de leitura

Alice: o sonho que ri da realidade
Ah, Alice... essa menina que segue coelhos atrasados e cai em tocas sem fim. Não me lembro de Clarice ter lido pros nossos filhos, mas devia, porque nada melhor do que aprender desde cedo que o mundo é uma fábrica de absurdos. Lewis Carroll, matemático travestido de contador de histórias, escreveu um livro que os adultos insistem em achar de “pra crianças”. Pobres adultos, sempre tão desesperados por manuais de conduta e finais morais. Carroll, ao contrário, jogou tudo no caldeirão do nonsense: lógica retorcida, diálogos circulares, paradoxos matemáticos, e um tanto de ironia contra a respeitável sociedade vitoriana.
O País das Maravilhas é um espelho invertido da nossa realidade. Alice cresce, encolhe, cresce de novo, como se o corpo fosse um laboratório de identidade. Ora, quem nunca se olhou no espelho e pensou: “mas quem é você, criatura?” A adolescência é isso: um desfile de metamorfoses sem manual de instruções. Carroll entendeu que somos todos corpos instáveis tentando caber em roupas apertadas de convenções.
E convenções, sim, são alvos fáceis no livro. A Rainha de Copas, com seu grito de “Cortem-lhe a cabeça!”, é a caricatura perfeita de qualquer autoridade histérica, já tivemos várias dessas por aqui, não? Ditadores, pastores de TV, presidentes que berram como bonecos descontrolados. A diferença é que Carroll não precisava citar nomes: basta o delírio da Rainha pra que todos entendam.
No fundo, Alice nos oferece um manual da desconfiança. Não existe tempo certo (o Chapeleiro Louco que o diga), não existe lógica inabalável, não existe moral que não possa ser virada de ponta-cabeça. O nonsense é, paradoxalmente, um convite à lucidez. Acordar de um sonho sem moral explícita é um escândalo pra adultos moralistas, mas é um presente pra quem ainda ousa pensar.
Carroll nos ensina que o absurdo é pedagógico. Ria do impossível, abrace o paradoxo, porque só assim você percebe que as certezas são castelos de cartas prontos pra cair com um sopro. Alice acorda, o leitor fecha o livro, mas a pergunta continua latejando: e se o País das Maravilhas for aqui, entre nós, todos os dias?
Eu, velho cansado, continuo acreditando que é. Afinal, não preciso cair em toca de coelho nenhuma pra ver criaturas sem noção discursando no Congresso ou vendendo milagres na televisão. A diferença é que Alice voltava pra casa; nós, infelizmente, ainda estamos presos no sonho. Agora se você quer se aprofundar numa análise filosófica da tal Alice, clique aqui. Só não garanto a fuga do nonsense.
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