O Fim do Amor e a Literatura
- campusaraujo
- há 17 minutos
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Quando o Namoro Termina e o Livro Começa
Não há dor amorosa que um bom livro não transforme em frase sublinhada. É quase uma lei natural: terminou o romance, a gente corre pra estante em busca de alguém que já sofreu pior e escreveu melhor. A primeira vez que me apaixonei foi por engano. Juro. Achei que era amor, mas era só carência
temperada com leitura de Fernando Pessoa ao fundo, aquele Pessoa difuso que faz a gente acreditar que até a melancolia tem certo glamour. Acontece.
Quando a carência foi embora (e ela sempre vai, como se obedecesse a um manual secreto), fiz o que todo jovem sensível e mal resolvido faz: me tranquei no quarto com um livro e um copo de vinho. O livro era Os Sofrimentos do Jovem Werther; o vinho, evidentemente, era barato. Chorei em silêncio. Não pelo fim da relação, mas porque Goethe tinha razão demais pra alguém tão jovem quanto eu era.
A literatura sempre chega depois do caos, como uma ambulância atrasada. Quando o amor perdido já virou lembrança, ressentimento ou aquela mistura constrangedora dos dois, ela aparece, elegante, paciente, quase maternal, como aquela amiga que não julga, só entrega um lenço e cita Simone de Beauvoir com precisão cirúrgica.
Às vezes, ela até exagera: oferece Proust, e então você percebe que suas dores são mínimas diante de alguém que ressuscitou um século inteiro tentando reencontrar o sabor de um amor não correspondido numa madeleine, aquele pequeno bolo francês em forma de concha.
E não é só Proust. O mundo literário é praticamente um clube de corações partidos cobrando anualidade emocional. Flaubert que o diga: transformou a monotonia afetiva de Emma Bovary num símbolo universal da frustração amorosa. Turguêniev, em Primeiro Amor, mostrou que não existe adolescência sem humilhação emocional.

Hilda Hilst escreveu cartas que são quase súplicas convertidas em arte. Kawabata, com sua delicadeza cruel, lembrava que o amor não correspondido tem o silêncio como idioma oficial. E Emily Brontë, talvez a mais radical, provou em O Morro dos Ventos Uivantes que há paixões que sobrevivem até à Senhora Derradeira, o que não significa que as tornem mais fáceis.
Clarice Lispector, que não sabia nunca se escrevia sobre o amor ou sobre o abismo, amou o que não entendia e transformou esse não entender em literatura. Drummond, mais direto, dizia que o amor é primo da Senhora Derradeira, e ambos se comportam como crianças traquinas, derrubando tudo por onde passam. Machado de Assis, disfarçado de ironia, ensinou que amores impossíveis são mais nítidos quando vistos pelo olhar enviesado da memória.
Às vezes acho que a gente só ama pra poder escrever depois. Que há, no fundo do afeto, uma urgência estética, uma vontade secreta de transformar abandono em estilo, silêncio em frase bonita, dor em memória narrável. Como se o que não vira texto continuasse nos assombrando, pedindo forma, pedindo voz.
A literatura não consola. Seria pedir demais. Ela compartilha. Ela diz: “Você tá sofrendo? Eu também. Mas veja como, com cuidado, isso pode ficar bonito no papel.” E talvez seja por isso que, quando o amor morre, a gente escreve. Porque, no fim, sobreviver à paixão é fácil. O difícil é sobreviver à memória e é aí que o livro, sempre ele, chega com sua luz tardia, mas necessária.


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