A Voz de Nawal El Saadawi: a Mulher que Transformou Dor em Resistência
- campusaraujo
- 5 de nov.
- 2 min de leitura
Atualizado: 6 de nov.
A Voz das Mulheres que Nunca se Calou

Há momentos em que a literatura e a vida se confundem, como se a realidade precisasse da palavra escrita pra existir. Foi assim com Nawal El Saadawi, cuja história me impressiona não apenas pelo horror que enfrentou, mas pela coragem com que o narrou.
Aos seis anos, sofreu a mutilação genital feminina, e que horror, meus caros, aos seis anos! E foi justamente essa dor que acendeu nela a consciência da opressão contra mulheres que acompanha tantas mulheres no Egito e, de certo modo, no mundo. Filha de um pai exilado, de mãe permissiva, cresceu entre ordens e contradições familiares, aprendendo cedo que a vida das mulheres é frequentemente moldada por imposições alheias.
Como médica em vilarejos egípcios, testemunhou prostituição, crimes de honra, abusos sexuais e tudo aquilo que muitos preferem esconder sob tapetes de silêncio. Foi essa experiência que transformou sua escrita em arma: Mulheres e Sexo (1972), denunciando a violência, custou-lhe cargos de prestígio, mas não calou sua voz.
Ela seguiu escrevendo, lecionando, ganhando prêmios, doutorados honorários, atravessando fronteiras físicas e intelectuais. E depois veio Mulher no Ponto Zero, o retrato de Firdaus, prisioneira condenada à morte, que enfrentou a própria execução sem se submeter a clemência. Firdaus, negada à educação, forçada a casar-se com um homem velho e violento, entra no mundo da prostituição buscando autonomia.
O que me fascina, e nos fascina, é essa raiva justa, essa revolta feminina que se transforma em força, que se recusa a dobrar-se diante de uma sociedade que insiste em ver a mulher como objeto ou cifra de honra.
Nos anos 1970 e 1980, Nawal El Saadawi tornou-se referência internacional, liderando programas da ONU, fundando a Associação de Solidariedade das Mulheres Árabes, escrevendo clandestinamente memórias na prisão. Recebeu ameaças de morte, foi exilada nos Estados Unidos, lecionou em Harvard, Yale, Columbia, Sorbonne, e nunca deixou de questionar o poder, a religião, a tradição.
Retornou ao Cairo em 1996, enfrentou conservadores, candidatou-se à presidência, participou nos protestos da Praça Tahrir, escreveu peças que desafiaram até autoridades religiosas.
O que permanece extraordinário em Nawal el Saadawi é o legado do pensamento crítico aplicado à vida. Ela denunciou que a mutilação genital feminina não tem origem religiosa, mas é sustentada por estruturas patriarcais e capitalistas, ligadas à honra familiar e ao controle da sexualidade feminina.
Questionou leis discriminatórias, violência doméstica, direitos de herança, o consentimento paterno para casamento. Sua obra inspira ainda hoje mulheres como Mona Eltahawy a lutar por direitos familiares, sociais e econômicos.
Nawal El Saadawi morreu em 2021, mas deixou filhas que jamais conheceram a navalha que corta carne e espírito.
E, entre nós, deixa a lição de que a palavra, quando afiada, é escudo e espada contra a opressão. Ela nos lembra que a liberdade se constrói com coragem e que o silêncio é sempre cúmplice do sofrimento.


.jpg)




Comentários